Texto encaminhado pela Ana Marcelino - UEB/RN
Espiritualidade e Religião
Por Frei Betto
Espiritualidade e religião se complementam; mas, não se confundem. A
espiritualidade existe desde que o ser humano irrompeu na natureza, há
mais de 200 mil anos. As religiões são recentes, não ultrapassam 8 mil
anos de existência.
A religião é a institucionalização da espiritualidade, assim como a
família é do amor. Há relações amorosas sem constituir família. Do
mesmo modo, há quem cultive sua espiritualidade sem se identificar com
uma religião. Há inclusive espiritualidade institucionalizada sem ser
religião, como é o caso do budismo, uma filosofia de vida.
As religiões, em princípio, deveriam ser fontes e expressões de
espiritualidades. Nem sempre isso ocorre. Em geral, a religião se
apresenta como um catálogo de regras, crenças e proibições, enquanto a
espiritualidade é livre e criativa. Na religião, predomina a voz
exterior, da autoridade religiosa. Na espiritualidade, a voz interior,
o “toque” divino.
A religião é uma instituição; a espiritualidade, uma vivência. Na
religião há disputa de poder, hierarquia, excomunhões e acusações de
heresia. Na espiritualidade predominam a disposição de serviço, a
tolerância para com a crença (ou a descrença) alheia, a sabedoria de
não transformar o diferente em divergente.
A religião culpabiliza; a espiritualidade induz a aprender com o erro.
A religião ameaça; a espiritualidade encoraja. A religião reforça o
medo; a espiritualidade, a confiança. A religião traz respostas; a
espiritualidade suscita perguntas. As religiões são causas de divisões
e guerras; as espiritualidades, de aproximação e respeito.
Na religião se crê; na espiritualidade se vivencia. A religião nutre o
ego, pois uma se considera melhor que a outra. A espiritualidade
transcende o ego e valoriza todas as religiões que promovem a vida e o
bem.
A religião provoca devoção; a espiritualidade, meditação. A religião
promete a vida eterna; a espiritualidade a antecipa. Na religião,
Deus, por vezes, é apenas um conceito; na espiritualidade, uma
experiência inefável.
Há fiéis que fazem de sua religião um fim e se dedicam de corpo e alma
a ela. Ora, toda religião, como sugere a etimologia da palavra
(religar), é um meio para amar o próximo, a natureza e a Deus. Uma
religião que não suscita amorosidade, compaixão, cuidado do meio
ambiente e alegria, serve para ser lançada ao fogo. É como flor de
plástico, linda, mas sem vida.
Há que tomar cuidado para não jogar fora a criança com a água da
bacia. O desafio é reduzir a distância entre religião e
espiritualidade, e precaver-se para não abraçar uma religião vazia de
espiritualidade nem uma espiritualidade solipsista, indiferente às
religiões.
Há que fazer das religiões fontes de espiritualidade, de prática do
amor e da justiça, de compaixão e serviço. Jesus é o exemplo de quem
rompe com a religião esclerosada de seu tempo, e vivencia e anuncia
uma nova espiritualidade, alimentada na vida comunitária, centrada na
atitude amorosa, na intimidade com Deus, na justiça aos pobres, no
perdão. Dessa espiritualidade resultou o cristianismo.
Há teólogos que defendem que o cristianismo deveria ser um movimento
de seguidores de Jesus, e não uma religião tão hierarquizada e cuja
estrutura de poder suga parte considerável de sua energia espiritual.
O fiel que pratica todos os ritos de sua religião acata os mandamentos
e paga o dízimo e, no entanto, é intolerante com quem não pensa ou crê
como ele, pode ser um ótimo religioso, mas carece de espiritualidade.
É como uma família desprovida de amor.
O apóstolo Paulo descreve magistralmente o que é espiritualidade no
capítulo 13 da Primeira Carta aos Coríntios. E Jesus a exemplifica na
parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37) e faz uma crítica mordaz
à religião em Mateus 23.
A espiritualidade deveria ser a porta de entrada das religiões. Antes
de pertencer a uma Igreja ou a uma determinada confissão religiosa,
melhor propiciar ao interessado a experiência de Deus, que consiste em
se abrir ao Mistério, aprender a orar e meditar, penetrar o sentido
dos textos sagrados.
Frei Betto é escritor, autor de Um homem chamado Jesus (Rocco), entre
outros livros.
Espiritualidade e Religião
Por Frei Betto
Espiritualidade e religião se complementam; mas, não se confundem. A
espiritualidade existe desde que o ser humano irrompeu na natureza, há
mais de 200 mil anos. As religiões são recentes, não ultrapassam 8 mil
anos de existência.
A religião é a institucionalização da espiritualidade, assim como a
família é do amor. Há relações amorosas sem constituir família. Do
mesmo modo, há quem cultive sua espiritualidade sem se identificar com
uma religião. Há inclusive espiritualidade institucionalizada sem ser
religião, como é o caso do budismo, uma filosofia de vida.
As religiões, em princípio, deveriam ser fontes e expressões de
espiritualidades. Nem sempre isso ocorre. Em geral, a religião se
apresenta como um catálogo de regras, crenças e proibições, enquanto a
espiritualidade é livre e criativa. Na religião, predomina a voz
exterior, da autoridade religiosa. Na espiritualidade, a voz interior,
o “toque” divino.
A religião é uma instituição; a espiritualidade, uma vivência. Na
religião há disputa de poder, hierarquia, excomunhões e acusações de
heresia. Na espiritualidade predominam a disposição de serviço, a
tolerância para com a crença (ou a descrença) alheia, a sabedoria de
não transformar o diferente em divergente.
A religião culpabiliza; a espiritualidade induz a aprender com o erro.
A religião ameaça; a espiritualidade encoraja. A religião reforça o
medo; a espiritualidade, a confiança. A religião traz respostas; a
espiritualidade suscita perguntas. As religiões são causas de divisões
e guerras; as espiritualidades, de aproximação e respeito.
Na religião se crê; na espiritualidade se vivencia. A religião nutre o
ego, pois uma se considera melhor que a outra. A espiritualidade
transcende o ego e valoriza todas as religiões que promovem a vida e o
bem.
A religião provoca devoção; a espiritualidade, meditação. A religião
promete a vida eterna; a espiritualidade a antecipa. Na religião,
Deus, por vezes, é apenas um conceito; na espiritualidade, uma
experiência inefável.
Há fiéis que fazem de sua religião um fim e se dedicam de corpo e alma
a ela. Ora, toda religião, como sugere a etimologia da palavra
(religar), é um meio para amar o próximo, a natureza e a Deus. Uma
religião que não suscita amorosidade, compaixão, cuidado do meio
ambiente e alegria, serve para ser lançada ao fogo. É como flor de
plástico, linda, mas sem vida.
Há que tomar cuidado para não jogar fora a criança com a água da
bacia. O desafio é reduzir a distância entre religião e
espiritualidade, e precaver-se para não abraçar uma religião vazia de
espiritualidade nem uma espiritualidade solipsista, indiferente às
religiões.
Há que fazer das religiões fontes de espiritualidade, de prática do
amor e da justiça, de compaixão e serviço. Jesus é o exemplo de quem
rompe com a religião esclerosada de seu tempo, e vivencia e anuncia
uma nova espiritualidade, alimentada na vida comunitária, centrada na
atitude amorosa, na intimidade com Deus, na justiça aos pobres, no
perdão. Dessa espiritualidade resultou o cristianismo.
Há teólogos que defendem que o cristianismo deveria ser um movimento
de seguidores de Jesus, e não uma religião tão hierarquizada e cuja
estrutura de poder suga parte considerável de sua energia espiritual.
O fiel que pratica todos os ritos de sua religião acata os mandamentos
e paga o dízimo e, no entanto, é intolerante com quem não pensa ou crê
como ele, pode ser um ótimo religioso, mas carece de espiritualidade.
É como uma família desprovida de amor.
O apóstolo Paulo descreve magistralmente o que é espiritualidade no
capítulo 13 da Primeira Carta aos Coríntios. E Jesus a exemplifica na
parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37) e faz uma crítica mordaz
à religião em Mateus 23.
A espiritualidade deveria ser a porta de entrada das religiões. Antes
de pertencer a uma Igreja ou a uma determinada confissão religiosa,
melhor propiciar ao interessado a experiência de Deus, que consiste em
se abrir ao Mistério, aprender a orar e meditar, penetrar o sentido
dos textos sagrados.
Frei Betto é escritor, autor de Um homem chamado Jesus (Rocco), entre
outros livros.
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